quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Pra que serve o tal centro-avante?

Amigos,

Após mais uma grande vitória do Gigante da Colina, me resta falar de outra coisa. Explico: como diz ao lado, sou professor e estava dando aula no horário da partida. Resultado: não sei de nada. Resta ocupar o espaço com algo mais. Escolhi falar da posição de centro-avante por alguns motivos: estamos (o Vasco e o Brasil inteiro) em crise na posição, existe um grande mito em torno desse famigerado sujeito que costuma jogar com a camisa 9 e porque tem a ver com um post que gostei muito de fazer sobre o lateral.

Vamos, então, por partes.
1) Qual foi o último grande centro-avante que vimos jogar? Um sujeito "qualquer" chamado Ronaldo. E ele já se aposentou. Apareceu algum grande sucessor para ocupar o lugar na seleção Brasileira? Não! Estamos em crise. Após gerações e gerações com grandes goleadores brasileiros em campo (Roberto Dinamite, Romário, Ronaldo) não temos ninguém. Guardemos essa pergunta: o centro-avante é essencial?

2)"Centro-avante vive de gol". Esse é o mito. Há ainda que amplie o mito e diga: "atacante vive de gol". Apenas os mestres da posição viveram de gols. Apenas Romário fez mil gols e terminou a carreira gordinho, parado e frequentando as artilharias (e passou a carreira inteira fugindo dos treinos e correndo atrás da farra). O centro-avante comum, aquele que não é um "fenômeno" precisa fazer muito mais que esperar a bola chegar e fazer o gol.

3)A partir desse mito do centro-avante, relembro que já discuti aqui a questão do mito do lateral. Nem todo centro-avante joga da mesma maneira nem tem o mesmo estilo. A idéia do centro-avante que fica entre os zagueiros preparado para o cruzamento é, assim como a idéia do lateral que vive de cruzamentos, uma idéia recente e europeizada. Seu ícone é o vascaíno Jardel: foi também um grande goleador, mas de estilo, futebol e intelecto limitados. Os grandes centro-avantes da história brasileira jogaram diferente, os maiores goleadores do mundo jogaram diferente.

Faço, agora, uma outra pergunta para ser adicionada à que deixei para trás: o time precisa jogar para o centro-avante? 

Respondo logo: na minha opinião, NÃO. O esquema tático deve passar pelo centro-avante, em vez de funcionar para o centro-avante. Ele não é o único responsável por fazer os gols, e fazer gol não é sua única responsabilidade. A não ser que o centro-avante seja o Romário. Está aí a razão para o sofrimento de muitos dos camisas 9 por aí, inclusive dos nossos. A cobrança por gols recai sobre eles antes de recair sobre qualquer outro jogador. Isso é um erro.

E é um erro que existe apenas por causa da cultura de que "centro-avante vive de gol". É claro, o gol faz muito mais parte das atribuições do centro-avante do que do volante, do meia, do zagueiro, do lateral ou atacante. Mas é um reducionismo estranho e infrutífero dizer que é apenas isso o que o centro-avante deve fazer. Como uma das coisas mais comuns no mundo é a situação em que um erro puxa o outro, é absolutamente natural que muitos técnicos tentem fazer com que seus times joguem em função do centro-avante. Mesmo que esse centro-avante não seja o Romário, mas o Rafael Coelho; não seja o Roberto Dinamite, mas o Obina; não seja o Ronaldo, mas Patric; não seja Tostão, mas Nunes.

A diferença não grita, ela urra. Urra de agonia e dor quando vê um treinador colocando seu time pra jogar em função de um sujeito que é mediano, no máximo bom. Isso quando o jogador não é ruim mesmo. E é aí que agradeço porque meu técnico é o lúcido Ricardo Gomes. Por mais que ele receba críticas por insistir com Alecsandro, ele é lúcido o suficiente para saber que ele já passou do auge; por mais qe exista pressão para escalar o Elton, Gomes sabe também que na melhor das hipóteses ele é um cara mediano a bom na posição. Ora, o Vasco, então, não joga para o centro-avante como já jogou para Romário. Alguém do nível de Romário teria bola para ter um time jogando em sua função até com 80 anos e na cadeira de rodas.

Mas não existe nenhum Ronaldo ou nenhum Romário em atuação no futebol brasileiro. Logo, o mais sensato é que nenhum time brasileiro jogue em função de seu centro-avante. Se o centro-avante precisar trabalhar para o time com algo além de esperar a bola e colocar na rede, temos uma pergunta natural: o que vai fazer esse sujeito além do óbvio?

Centro-avante, assim como qualquer outro jogador do time, tem que jogar com a bola e sem a bola. Tem funções táticas para além de ficar dentro da área bem posicionado para o cabeceio. Se bom centro-avante fosse o gigante que faz gol de cabeça, o Romário teria jogado na meia. Mas, como já disse, não podemos tomar o amior centro-avante da história, Romário, como parâmetro. Classicamente, o centro-avante é o jogador mais avançado e centralizado da equipe.

Ele está ali por diversos motivos:

1) Funcionamento de pivô: o jogador que recebe de costas para a meta, um pouco à frente da zaga, prendendo um zagueiro à sua marcação, a fim de distribuir o jogo pra quem vem de trás ou para quem entra em velocidade. Ele precisa receber de costas e fazer a jogada girar em torno de si. Assim, ele sai momentaneamente da clássica função de goleador para alguém que distribui a jogada, preferencialmente com rapidez e simplicidade. é interessante reparar que essa função de pivô não acontece apenas na entrada da área, onde nós imaginamos normalmente quando falamos nela. Quando o time está na defesa e vai sair para o contra-ataque, quem recebe o passe no meio-campo para distribuir pra quem passa em velocidade? Nos lançamentos de transição defesa-ataque, quem está usando o corpo para dominar e distribuir a jogada, partindo posteriormente?

2) Entre os zagueiros: esse é o posicionamento em que o atacante espera uma enfiada de bola ou um lançamento em condições diretas de fazer o gol. Junto com a anterior, são posicionamentos e funções muito comuns. Também pode acontecer em jogadas mais recuadas, explorando a velocidade. Mas dado o fato que a maioria dos centro-avantes de hoje são mais pesados e lentos, é o segundo atacante que costuma fazer esse tipo de jogada mais recuado.

3) Saindo para as pontas: o que faz um centro-avante na ponta esquerda? Uma resposta geral: abre espaço. Ora, comumente os centro-avantes recebem marcações individuais ou duplas por setor (é o que o Vasco faz com os centro-avantes adversários em geral). Quando existe esse tipo de marcação especial e o sujeito sai da área, pode ser gerado um buraco a ser aproveitado ou por quem vem de trás ou por quems e posicione momentaneamente como centro-avante. Isso é, na realidade, uma troca de posição e mesmo de função tática. Por mais que isso acarrete uma perda técnica, já que a ponta não é a praia do centro-avante, pode ser uma surpresa interessante, principalmente porque se os marcadores sairem inadvertidamente para marcar a ponta sem que a jogada esteja por ali forma-se uma bela avenida, ideal para jogadas em velocidade, passes enfiados ou chutes de longa distância.

4) Recuando para a meia: repito a pergunta: o que faz aquele brucutu sem habilidade na meia direita? A mesma resposta geral: abre espaço. Mas um pouco mais que isso, exigindo mais qualidade técnica. Esse tipo de situação significa o avanço do meio campo para o ataque, outra troca de posições específica para jogadas de velocidade e individuais de quem está na frente. Isso geral confusão natural na zaga adversária, porque geralmente induz o volante a sair para abafar o centro-avante, que tende a não ser muito habilidoso para coisas além de fazer o gol mesmo. É uma situação mais perigosa do que sair para a ponta. Em dois sentidos: defensivamente, a bola não pode ser perdida ali nem por um decreto (é fatal); ofensivamente, temos possibilidades mais remotas de um acerto na distribuição feita pelo centro-avante deslocado, mas caso dê certo o perigo se inverte.

Fora essas quatro principais qualidades, é muito comum vermos os centro-avantes defendendo o primeiro poste nos escanteios adversários. Aí, assim como nas bolas paradas ofensivas, é onde aparece mais nitidamente a vantagem da brucutuzisse da maior parte dos centro-avantes de hoje. Eles costumam ser bons na jogada aérea, num contexto em que os volantes "modernos" são cada vez menores e versáteis, perdendo força no aspecto defensivo. Nesses casos, o contra-ataque não pode ser dispensado e, sendo a função de centro-avante fundamental na saída para o contra-ataque um centro-avante improvisado sempre está lá.

Olhando para estas possibilidades não muito rigorosas para a função do centro-avante, devo lembrar que todos eles acabam fazendo um pouco de cada uma delas, mas que geralmente o sujeito tem destaque em 1 ou em 2. Os centro-avantes históricos faziam todas as 4 possibilidades muito bem. Os grandes da posição eram fenomenais em uma delas, tendo o direito de serem horríveis nas outras três. E os que não se destacam precisam saber equilibrá-las para que o time funcione melhor.

Chegamos aí ao ponto de falar diretamente de Vasco. Para iniciar, insisto como vitrola quebrada: Elton e Alecsandro estão num nível muito próximo. A escolha de um ou outro é questão de momento e deve ser sustentada em campo por 90 minutos. O problema é que o nível próximo dos dois é abaixo do satisfatório frente à grandeza do Club de Regatas Vasco da Gama. 

Élton dá mais ênfase em 1 e 2, por isso, tende a ser mais goleador. Mas é, no geral, pouco esforçado e menos ainda técnico e habilidoso. Sabe chutar e cabecear bem, mas deixa a desejar no posicionamento (como ele consegue ficar impedido tantas vezes?), domínio de bola (como consegue fazer tantas faltas de ataque e cair sentado tantas vezes?) e visão de jogo. Resultado: Elton pode ser perigoso com 1 e 2, mas na hora de jogar para o time, é miseravelmente ruim em 3 e 4.
Alecsandro é um jogador mais equilibrado. Menos goleador que Élton, mas consideravelmente mais esforçado (apesar de apresentar já algumas limitações de forma física) e melhor em termos de posicionamento, domínio de bola, passes e visão de jogo. Resultado: um centro-avante que acaba jogando mais para o time do que para o gol.

Ora, temos, então um problema sério. Sério a ponto de Diego Souza, quando escalado de centro-avante, fazer muito melhor as funções 3 e 4. Ele só não é titular na posição porque faz falta no meio-campo e porque tem menos cacuete de goleador. Se a coisa chega a esse nível, recoloco algo que ficou de lado ao longo do post: o centro-avante é estritamente necessário?

Não. Desde que se consiga fazer gols sem eles. Bons atacantes, pontas ou meias podem incomodar muito a defesa adversária também, a partir de outras características diversas. Basta lembrarmos de Leandro Amaral (mais conhecido pela sábia alcunha de Amareal). Infelizmente, não é o nosso caso. O Vasco precisa de alguém de referência na frente. Não que eles sejam bons, mas porque nossos outros jogadores do setor ofensivo têm problemas sérios para ensacar a bola: lucidamente, Ricardo Gomes também sabe disso.

No Vasco, esse é um problema que só pode ser solucionado com contratações mesmo. Lembrando, porém, do mau momento dos centro-avantes brasileiros é de se esperar que mesmo jogadores em um nível muito próximo do que já temos sejam um investimento demasiado alto para o benefício que trariam. Basta tentarmos lembrar quantos centro-avantes nitidamente melhores que os que temos existem no país. Tarefa difícil: existe um nivelamento por baixo na situação.

Para terminar, vamos à utopia. Caso o mercado brasileiro de centro-avantes estivesse altamente suprido, seria bom um time com dois centro-avantes? Eu, particularmente, não gosto da idéia apenas por opinião. Mas é claro que pode funcionar. Isso, porém, tende a forçar um estilo de jogo funcionando em privilégio a estes jogadores. É o time que joga na base do chuveirinho na área, tão comum na Europa e em países Sul-Americanos para além de Brasil e Argentina e que eu já critiquei ao falar dos laterais. É um exercício de imaginação, a situação oposta ao time sem centro-avante.

Para finalizar saindo do assunto, exalto a boa rodada que tivemos: apesar da vitória do time que nada-tem, todos os nossos outros concorrentes diretos tropeçaram: fRamengo, Palmeiras, São Paulo. Cada vez mais fica importante permanecer no bolo de maneira próxima do líder. Os clássicos próximos serão de suma importância tanto porque são um risco sério para o Corinthians quanto porque são o momento em que precisams reafirmar nossa grandeza. Time campeão precisa ganhar clássico, e um deles valerá seis pontos.

Até lá!
Abraços

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